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Entrevista: Direito a privacidade opõe empresas de tecnologia e órgãos de segurança

Reproduzo reportagem da Zero Hora na qual dei entrevista sobre a cooperação dos provedores de conteúdo com as forças da Lei: 
Companhias resistem a entregar conteúdo de e-mails e conversas em redes sociais envolvendo suspeitos de crime, restringindo a capacidade de investigação das polícias e do Ministério Público
Por: Itamar Melo - itamar.melo@zerohora.com.br

Foto: Juan Barbosa/Agência RBS
A Polícia Civil gaúcha obteve, há um par de anos, autorização judicial paramonitorar as comunicações de uma quadrilha suspeita de arrombar bancos em diferentes Estados brasileiros. Quando as conversas telefônicas interceptadas começavam a esquentar, porém, um suspeito dizia ao outro:

— Ô, meu, vamos falar no Facebook.

A situação não era novidade. Nos últimos tempos, afirmam investigadores, bandidos têm trocado o telefone pelo e-mail e outros serviços de mensagem eletrônica na hora de manter conversas incriminadoras com seus comparsas. No caso da investigação dos arrombadores de banco, a providência tomada pelos policiais foi encaminhar ao Facebook uma ordem judicial determinando a quebra do sigilo dos suspeitos. Como em vários outros casos semelhantes, o conteúdo das mensagens trocadas pelos bandidos jamais foi entregue.

— Eles criam uma situação em que não dizem nem que sim, nem que não. Ficam afirmando que a legislação norte-americana não permite. Tivemos de fechar a investigação sem essa prova. Era importante, porque troca de mensagem é prova material robusta, não é como uma testemunha, que pode mudar de depoimento — queixa-se o delegado Juliano Ferreira, titular da delegacia de Roubo e Furto de Veículos.

No momento em que o Brasil acusa os EUA de ferir a soberania do país — por ter espionado mensagens da presidente Dilma Rousseff, de seus assessores e da Petrobras —, policiais e juristas enxergam na atitude de alguns provedores da internet uma outra violação à soberania nacional — não por desrespeitar a privacidade das comunicações, e sim por protegê-la.

Procuradas por Zero Hora, algumas das principais empresas do setor limitaram-se a enviar notas breves ou links sobre o assunto .

Os investigadores brasileiros relatam que a falta de acesso às trocas de mensagens entre suspeitos traz prejuízo no combate ao crime.

— Às vezes, um informante diz: "Olha, delegado, se o senhor monitorar o Facebook de tal pessoa, vai ver". Mas já tentei algumas vezes e nunca consegui. São tantas dificuldades, que nem iniciamos essa investigação. É muito difícil trabalhar assim. Ficamos de mãos atadas — complementa o delegado Juliano.

Polícia estuda prender representantes

Diretor do Gabinete de Inteligência e Assuntos Estratégicos da Polícia Civil, o delegado Emerson Wendt salienta que provedores nacionais e mesmo alguns gigantes planetários, como o Yahoo! e a Microsoft, adotaram como hábito obedecer às ordens judiciais. A dificuldade estaria na relação com o Google e Facebook.

— Eles só fornecem dados cadastrais e de acesso. A alegação é que como a hospedagem dos sites fica nos EUA, as informações teriam de ser solicitadas via cooperação internacional, o que é um procedimento complicado e demorado.

As autoridades policiais planejam aumentar a pressão. Segundo o delegado, a estratégia que vem sendo trabalhada é a de enquadrar por crime de desobediência a ordem judicial, passível de prisão, os representantes no país de empresas que não cumprirem as ordens da Justiça.

— É uma luta de todas as polícias, muito debatida em reuniões e simpósios. Apostamos na questão da legislação. Se esses provedores querem oferecer serviços no Brasil, precisam se adequar à legislação brasileira — diz Wendt.

Uma batalha nos tribunais

Uma guerra jurídica travada entre Google do Brasil e Ministério Público Federal (MPF) pode ajudar a fixar parâmetros para a quebra de sigilo de comunicações eletrônicas em investigações criminais.

No mês passado, a corte especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a empresa está obrigada a entregar as comunicações de um grupo de pessoas investigadas pelo MPF. Questionado por ZH, o Google informou ter recorrido ao Supremo Tribunal Federal (STF).

A ação foi movida porque a empresa não entregou conversas feitas pelo Gmail que auxiliariam em um inquérito envolvendo "seríssimos crimes, dentre eles os de formação de quadrilha, corrupção ativa e passiva, fraude à licitação, lavagem de dinheiro, advocacia administrativa e tráfico de influência". O STJ havia determinado a quebra do sigilo no primeiro semestre, estabelecendo uma multa diária de R$ 50 mil pelo não-cumprimento, mas o Google recorreu.

A administradora do Gmail alega que o contrato dos brasileiros é feito com a empresa norte-americana Google Inc. e que os dados estão armazenados em território dos EUA, o que os colocaria sob a alçada da Justiça do país. Segundo o Google, as autoridades brasileiras devem solicitar as informações por meio de um tratado de cooperação jurídica mútua entre os dois países. Em caso contrário, sustenta, a entrega das informações implicaria em cometer um crime nos EUA.

Para MPF, provedor pode fornecer dados

O entendimento do MPF, acolhido pelo STJ, é que o Google deve submeter-se às leis nacionais, por ter uma subsidiária no país e já que os e-mails foram trocados por brasileiros em território nacional. O MPF afirma que o provedor pode transferir os dados internamente, dos EUA para o Brasil, sem que configure quebra de sigilo: "A mera transferência desses dados entre empresa controladora e controlada não constitui, em si, quebra do sigilo, o que só será feito quando for entregue à autoridade judicial brasileira".

A avaliação do STJ e MPF é predominante entre juristas, segundo o advogado Victor Haikal, especialista em Direito Digital:

— É inconcebível que uma empresa que tem sede no Brasil e aufere rendimentos no Brasil não tenha responsabilidade perante a Justiça brasileira.

O IMPASSE

Investigadores e empresas travam batalha envolvendo a quebra do sigilo de suspeitos de crimes

— O que diz a lei brasileira: A Lei da Interceptação Telemática, de 1996, permite a interceptação de conversas telefônicas ou informáticas, autorizadas pela Justiça, nos casos em que houver indícios de autoria ou participação em crimes puníveis com reclusão e em que não existirem outros meios de produzir a prova.

— Como as autoridades agem: investigadores pedem à Justiça a liberação do conteúdo de mensagens de suspeitos. O Judiciário tem determinado a quebra do sigilo.

— A reação das empresas: os provedores têm repassado dados cadastrais e sobre o local de onde mensagens foram enviadas. O mesmo não ocorre com o conteúdo das mensagens. Google e Facebook, por exemplo, resistem a entregar as interceptações. Alegam que dados estão armazenados nos EUA e que por isso a liberação só pode ocorrer com autorização da justiça norte-americana.

— O tratado entre Brasil e Estados Unidos: em 2001, Brasil e Estados Unidos firmaram um Acordo de Assistência Judiciária Mútua, que prevê o fornecimento de documentos, registros e bens. O Google insiste que esse é o caminho que as autoridades policiais devem seguir para ter acesso ao conteúdo de mensagens. Os investigadores brasileiros discordam e dizem que o mecanismo é muito restritivo, demorado e burocratizado.

O QUE DIZEM AS EMPRESAS

Nenhuma das quatro empresas procuradas por Zero Hora para falar do assunto concedeu entrevista. Confira as respostas*

Google (425 milhões de usuários do Gmail)

A empresa, responsável pelo Gmail, enviou a seguinte nota:

"O Google reconhece sua responsabilidade de auxiliar autoridades em seus esforços para combater o crime, mas precisa fazê-lo nos termos do Tratado de Assistência Judiciária Mútua entre o Brasil e os EUA, que estabelece processo simplificado para a cooperação entre os dois países. O Google recorreu da decisão (do STJ) para o Supremo Tribunal Federal."

Facebook (1,1 bilhão de usuários - cerca de 76 milhões no Brasil)

A empresa limitou-se a informar que mantém "um canal para trabalhar com as autoridades", no endereço www.facebook.com/safety/groups/law. Nessa página, exibe uma área intitulada 'Informação para autoridades policiais", em que apresenta diretrizes operacionais destinadas "a oficiais da lei que solicitam registros ao Facebook."

Microsoft (400 milhões de usuários do Hotmail/Outlook)

Responsável pelo Outlook e pelo Hotmail enviou nota:

“A Microsoft esclarece que, às vezes, é obrigada a obedecer a exigências legais de governos e entregar conteúdo de contas específicas, conforme determinação judicial. As solicitações são analisadas pela Microsoft, que garante que elas sejam válidas, rejeita as que não são e certifica-se de que sejam fornecidos apenas os dados especificados na ordem.”

Yahoo! (298 milhões de usuários únicosdo Yahoo! Mail)

O departamento jurídico do Yahoo Brasil exige que pedidos de dados de usuários da empresa, incluindo conteúdo do Yahoo Mail, sejam feitos por meios e motivos legais. Recusamos pedidos impróprios ou ilegais. Investigamos cada pedido, respondendo quando necessário, e entregando dados possível de acordo com a lei.

*Os números de usuários são baseados em dados das próprias empresas ou de consultorias

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