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“Pedofilia”, aliciamento e estupro contra vulnerável

Pedofilia não Na semana que passou tive a oportunidade de palestrar em dois locais distintos – na Palácio da Polícia Civil do RS e na Escola Alcides Maya – e, também, de participar de um debate, no Ministério Público do RS, sobre o perigo virtual e a juventude em risco. Aliás, esta última palestra foi notícia no Correio do Povo do final de semana.

Emerson Wendt - MPRS
Foto de Marco Quintana (MP/RS) durante a palestra “Perigo Virtual: a juventude em risco”.

Surpreendeu-me a necessidade de as pessoas quererem entender um pouco mais sobre a própria segurança na navegação e o controle que podem ou não ter sobre o que os filhos vêem na web.

A preocupação vem a calhar, porquanto problemas como a “pedofilia” (pornografia infantil) via internet, armazenamento, envio e troca de imagens contendo sexo explícito ou pornografia envolvendo criança e adolescentes, além de aliciamentos de crianças via web e abusos sexuais consequentes, podem ocorrer, estão presentes e tornam-se cada vez mais frequentes.

A conduta da “pedofilia”, assim denominada pela mídia e pela população em geral, está prevista no art. 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que teve modificações em novembro de 2008 (Lei nº 11.829, de 2008), conforme já foi publicado aqui no Blog. Foram acrescentados vários artigos, sequenciais, e que foram importantes para tipificar penalmente algumas condutas antes não previstas como crime, como é o caso do armazenamento de imagens pornográficas. Possibilitou-se, assim, uma maneira mais adequada de prisão em flagrante e, em caso de comprovação da posse do material, pode-se autuar em flagrante o detentor, encaminhando-o ao presídio. Antes, era difícil termos uma situação de flagrante nessa espécie delitiva, pois tínhamos que “pegar o sujeito com a mão na massa”, ou melhor, transmitindo uma imagem ou vídeo com as características exigidas por lei para configurar o flagrante.

Vejamos as tipificações trazidas pela lei de 2008 e que trouxe avanços importantes:

Art. 241.  Vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

Art. 241-A.  Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

§ 1o  Nas mesmas penas incorre quem:

I – assegura os meios ou serviços para o armazenamento das fotografias, cenas ou imagens de que trata o caput deste artigo;

II – assegura, por qualquer meio, o acesso por rede de computadores às fotografias, cenas ou imagens de que trata o caput deste artigo.

§ 2o  As condutas tipificadas nos incisos I e II do § 1o deste artigo são puníveis quando o responsável legal pela prestação do serviço, oficialmente notificado, deixa de desabilitar o acesso ao conteúdo ilícito de que trata o caput deste artigo.

Por este artigo acima, trouxe a lei a possibilidade de punição do responsável pelo provedor onde estão hospedadas as imagens pornográficas envolvendo crianças e adolescentes, porém tem ele de ser notificado oficial e previamente para retirar o conteúdo do acesso público e não fazê-lo. Segundo a própria lei, no art.  241-E, a expressão “cena de sexo explícito ou pornográfica” compreende qualquer situação que envolva criança ou adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais.

Art. 241-B.  Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

§ 1o  A pena é diminuída de 1 (um) a 2/3 (dois terços) se de pequena quantidade o material a que se refere o caput deste artigo.

§ 2o  Não há crime se a posse ou o armazenamento tem a finalidade de comunicar às autoridades competentes a ocorrência das condutas descritas nos arts. 240, 241, 241-A e 241-C desta Lei, quando a comunicação for feita por:

I – agente público no exercício de suas funções;

II – membro de entidade, legalmente constituída, que inclua, entre suas finalidades institucionais, o recebimento, o processamento e o encaminhamento de notícia dos crimes referidos neste parágrafo;

III – representante legal e funcionários responsáveis de provedor de acesso ou serviço prestado por meio de rede de computadores, até o recebimento do material relativo à notícia feita à autoridade policial, ao Ministério Público ou ao Poder Judiciário.

§ 3o  As pessoas referidas no § 2o deste artigo deverão manter sob sigilo o material ilícito referido.

Este artigo veio, como referi anteriormente, suprir uma lacuna muito grande, pois era muito difícil autuar-se alguém em flagrante por “pedofilia”. Da mesma forma, a própria lei trouxe exceções, como a do agente policial que investiga esse tipo de delito e de entidades que efetivamente tratam e encaminham casos de denúncias envolvendo os crimes previstos na Lei. É o caso da ONG Safernet, que faz a coleta de denúncias dos crimes virtuais e os reencaminha à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal e apresenta dados estatísticos como os abaixo:
 
image

Continuando …

Art. 241-C.  Simular a participação de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica por meio de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

Parágrafo único.  Incorre nas mesmas penas quem vende, expõe à venda, disponibiliza, distribui, publica ou divulga por qualquer meio, adquire, possui ou armazena o material produzido na forma do caput deste artigo.

Esta conduta, embora com uma pena pequena, veio a contemplar as questões específicas de coleta de imagens inocentes na web ou através o monitoramento ilegal de internet e efetivar as chamadas “montagens” de imagens (rosto de uma criança e corpo de outra), claro que relacionadas à questão sexual explícita ou pornográfica.

Ainda, outra conduta que se caracterizava como comum na web e não tinha a infração penal correspondente era o aliciamento e o assédio de crianças, porém com uma pena muito reduzida. Vejamos o que veio dizer a Lei:

Art. 241-D.  Aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

Parágrafo único.  Nas mesmas penas incorre quem:

I – facilita ou induz o acesso à criança de material contendo cena de sexo explícito ou pornográfica com o fim de com ela praticar ato libidinoso;

II – pratica as condutas descritas no caput deste artigo com o fim de induzir criança a se exibir de forma pornográfica ou sexualmente explícita.

Talvez a principal preocupação do legislador não tenha sido propriamente a conduta de aliciamento, assédio, instigação ou constrangimento, mas o que poderia dali advir, como é o caso de “estupro de vulnerável”, previsto a partir de agosto de 2009 (Lei nº 12.015, de 2009):
 

Art. 217-A.  Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

Portanto, se de um aliciamento, indução, constrangimento ou assédio resultar em um encontro com a criança (até 12 anos), onde esta também é vítima de abuso sexual, o sujeito estará incurso nos dois delitos, um com pena de 1 até 3 anos e outro de pena mínima de 8 anos. Mas se o aliciamento for de adolescente, de 12 e 13 anos, a pena será a do Código Penal, ou seja, no mínimo 8 anos.

 

Bom … eu sei que é um artigo um pouco cansativo de ler e que já existe muita coisa na web, mas é importante que as pessoas saibam que existe uma punição séria quanto à “prática de pedofilia” e condutas paralelas e tão graves quanto ela. Por isso, não deixem de denunciar: disque 100 (específico para os crimes relacionados às crianças e adolescentes) ou 181 (disque-denúncias centralizados nas capitais dos Estados).

Comentários

João Aversa disse…
Olá Emerson,

Sou perito computacional e recentemente me deparei com a seguinte situação :

o Artigo 241-C. "Simular a participação de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica por meio de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual"

Teoricamente envolveria os chamados "lolicon".

Lolicon (em japonês: ロリコン, Lolicon?), lolikon ou loli-con é uma abreviatura de lolita complex, ou seja, complexo de lolita em inglês. A palavra é usada no Japão para pedofilia ou efebofilia. Fora do Japão, geralmente é usada quando se refere a animes ou mangás que retratam meninas menores de idade (de 5 a 17 anos) em situações sexuais ou de nudez. (Fonte Wikipédia )

Saberia me dizer se ja houve algum caso julgado envolvendo o tema ?

[]´s
Anônimo disse…
Muita gente ainda se cala, não sei se por medo, ou por preguiça mesmo.
A denúncia é uma arma poderosa, é uma pena que poucas pessoas a usem.
E quanto mais falarmos no assunto melhor, debates e palestras são fundamentais.
Parabéns pelos seus atos =)
Abraços

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