No dia 28 de Abril, ocorreu no gabinete da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça (SAL-MJ) uma reunião para debater o Marco Civil da Internet sob a perspectiva da investigação policial.
Entre a rejeição integral à guarda de registros de conexão e a demanda pela guarda eterna e obrigatória de todos os registros, há mais possibilidades de uma solução do que a simples fixação de um limite máximo de 6 meses (ver art. 14). E temos o compromisso de ouvir os diversos argumentos da sociedade. Por isso, o encontro – nascido de uma iniciativa conjunta costurada pelo twitter – combina com nosso esforço por um efetivo debate aberto de importantes questões públicas ligadas ao uso da Internet no Brasil.
Na ocasião, foram recebidos pela equipe do Marco Civil na SAL-MJ os senhores Carlos Sobral, Delegado federal e chefe da Unidade de Repressão a Crimes Cibernéticos da Polícia Federal; Emerson Wendt, Delegado de Polícia e Diretor da Divisão de Análise/DISP/SSP/RS; e Silvio Cerqueira, Delegado de Polícia Civil do Distrito Federal e Diretor da Divisão de Repressão aos Crimes de Alta Tecnologia-DICAT/PCDF.
Conforme o nossa postura de máxima transparência nas discussões sobre o Marco Civil, reproduzimos abaixo, com a devida autorização dada por telefone, o email enviado pelo Dr. Silvio Cerqueira após o evento:
Prezados, muito boa tarde
Ao tempo que cumprimento a todos, proveito para extender a mensagem também ao amigo Rocha, da Câmara dos Deputados, que labuta com projetos de lei no mesmo tema e pode tanto encontrar utilidade das exposições em seu trabalho como contribuir com conhecimento adquirido por anos de prática policial como Delegado da PCDF e nos assuntos legislativos. Como não consultei a nenhum dos senhores sobre a difusão de suas contas de e-mail, decidi mantê-las todas no campo cópia oculta (Cco) neste primeiro momento.
Embora tenha conclamado os pares e colegas de trabalho a manifestarem-se no site sobre o texto apresentado paradiscussão do Marco Civil da Internet, eu mesmo não tive tempo hábil para tanto. Falha minha, desculpem por isso.
Contudo, como tratamos no encontro da desnecessidade de provocar o judiciário para obtenção de informações sobre identidade de pessoas, os usuários dos serviços de internet como um todo, e fiquei de apresentar impressões sobre tal medida, ofereço o texto na sequência, lembrando que apesar de poder ‘assinar’ pela unidade policial que chefio, a DICAT, e inúmeros colegas compartilhem do entendimento que ora exponho, não tenho a permissão para falar em nome deles ou da instituição Polícia Civil do DF.
Dito isso, vamos ao que interessa.
A Divisão de Repressão aos Crimes de Alta Tecnologia-DICAT, é órgão da Polícia Civil do Distrito Federal voltado à prestação de apoio às demais unidades da instituição nas investigações de fatos que envolvam computadores e/ou internet. Dentre as atribuições da DICAT está a comunicação oficial com as empresas provedoras de acesso à internet, de serviços e/ou conteúdo, na busca por elementos que possibitem prova de materialidade ou indícios de autoria.
Apesar de entender que não existe dispositivo legal que condicione a prestação de informações sobre identidade de pessoas à ordem judicial, maioria das empresas demandadas opõe o sigilo constitucional do art. 5º, inc. X e XII, para negar atendimento às solicitações diretas das Autoridades Policiais para instrução de investigação criminal, criando demanda que não cabe ao poder judiciário e, com isso, procrastinam a resposta do estado aos ditos crimes de alta tecnologia.
Neste sentido há diversas decisões judiciais. Como exemplo do alcançe do sigilo constitucional às comunicações e dados, preservação de intimidade, vida privada e correlatos, face às investigações criminais, ofereço o entendimento exposto em decisão do STJ sobre o HC 83.338/DF, de 29/9/2009, que levou ao STJ questão de crime contra a honra (injúria e difamação) praticado por e-mail:
A tramitação do processo pode ser vista no site do STJ.
Para simplificar, deixo também link para o brilhante relatório e voto do Min. Hamilton Carvalhido.
Quando a demanda inclui um prestador de serviço de internet, que, por exemplo, deverá informar o endereço IP registrado em determinada situação, como envio de mensagem de e-mail, pode-se dobrar o tempo de espera.
Nestes termos, acredito ser relevante sugerir que o texto legal contemple também a exibição dos endereços IP das conexões que deixaram ou enviaram manifestações de pensamento, podendo ser ostensiva nos caso de ‘posts’ com comentários de matérias disponíveis na internet ou equivalmentes, e no cabeçalho de mensagens enviadas por serviços de correio eletrônico, no campo ‘X-IP SENDER’ ou similar (mensagens via Gmail, por exemplo, não apresentam os endereços IP do remetente, somente dos servidores da Google). Tal medida poupará tempo precioso da investigação.
Na outra vertente de entendimento, se as informações de identificação de usuário de conexão dependerem de ordem judicial para serem integradas à investigação criminal, não se pode afastar a antevisão de futuro negro ao trabalho policial. Somente neste ano, contados até a data de ontem (10/05/2010) foram expedidos 229 relatórios e há outras 52 investigações em curso na DICAT. Considerando-se que em cada investigação há necessidade de conhecimento de ao menos um registro de usuário de endereço IP, não sendo raros os casos onde os endereços IP precisam ser primeiramente informados pela prestadora de serviço, somente a DICAT já teria protocolizado no mínimo 281 representações ao judiciário para ‘quebra de sigilo IP’ desde janeiro de 2010.
Embora as representações anteriores tenham demandado a média de quatro meses (120 dias) para apresentarem uma primeira informação da provedora de serviço e outros mesmos tantos para a da provedora de acesso (somando oito meses de espera), há casos em que delegacias ficam no aguardo de anos pela prestação jurisdicional, se é que assim posso chamar o deslinde da representação.
Incluo aqui a observação feita por diversos colegas encarregados de acompanhar diligências de interceptação de comunicações telefônicas de que a criminalidade, que antes se comunicava abertamente por telefones fixos, depois por celulares e mais tarde por celulares ditos descartáveis, agora usa o e-mail e comunicadores instantâneos para a troca de informações e instruções de crimes, deixando os telefones apenas para indicar o horário de contato. Nesse contexto, a utilização maciça de serviços VOIP é inevitável e apenas questão de tempo: não é se, mas quando migrarão suas comunicações para o computador.
Mais uma vez coloco-me à inteira disposição para colaborar e espero ter sido útil.
Abraços!
Silvio C. Cerqueira
Delegado de Polícia
Diretor da DICAT / PCDF
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