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Entrevista: Chefe da unidade de repressão a crimes cibernéticos da polícia federal


A tecnologia não é culpada pela prática de crimes na internet. Para o delegado federal Carlos Eduardo Miguel Sobral, garantir a segurança no mundo virtual é um dever de todos (Fonte: Diário do Nordeste)


Por que é tão difícil rastrear os crimes cibernéticos?

Pela própria estrutura da internet. Antes de chegar ao destinatário, a informação passa por diversos caminhos. Algumas vezes transcorreu por fronteiras além do território nacional. Você necessita, então, de uma cooperação internacional ou da cooperação daquelas pessoas ou instituições responsáveis pelo caminho, como os provedores de acesso à internet ou os provedores de telefonia. Diferente de um crime no mundo físico, em que você vai ao local (do crime), pesquisa, coleta impressão digital, entrevista os vizinhos; na internet, toda essa informação pode estar armazenada em empresas de comunicação. É possível rastrear? É, mas há fatores que podem impedir o rastreamento, como a não existência da informação, a demora na prestação da informação ou ela estar inacessível, em algum local que a gente não consiga ter algum acordo de cooperação.

A capacidade de investigar fica aquém da velocidade com que os criminosos conseguem burlar os sistemas de segurança?
O hacker estuda como a segurança funciona. Ele tenta várias, centenas, milhares de vezes antes de conseguir burlar um sistema. Normalmente, a polícia judiciária está sendo chamada quando ele (o hacker) consegue completar a ação danosa. Temos vários projetos para antecipar a ação com inteligência e análise para, através das tentativas, já mapear a criminalidade e evitar que ela consiga alcançar o seu resultado. Temos as ferramentas para conseguir investigar desde que tenhamos acesso à informação. Se não conseguimos ter acesso rápido à informação - e rápido é questão de horas, de dias; demora-se meses, às vezes -, não conseguiremos fazer boas investigações. Cada vez mais, a Polícia está sendo restringida dessas ferramentas. Estão colocando obstáculos para que consigamos ter acesso a informações como simples logs (registros) de conexão com a internet, que, por falta de legislação, é condicionada à autorização judicial, um trâmite inadequado à rapidez das investigações.

Como descobrir crimes de pedofilia e exploração sexual infantil na internet?
Há dois grandes modos de praticar a distribuição e a posse desse material pornográfico. Uma é através de redes sociais, como é o caso do Orkut, Facebook, Hi5... Nesse caso, precisamos da cooperação da empresa que mantém esse serviço em informar os registros de quem postou a informação. Até meados deste ano, a Google, que mantém o Orkut, se negava a cumprir a lei brasileira, somente se colocando sob a jurisdição americana. A partir deste ano, num convênio que fez com a CPI da Pedofilia, a PF e o Ministério Público Federal, ela (a Google) passou a acatar a nossa legislação. Essas investigações iniciam através de pessoas que navegam na internet, identificam pornografia sendo distribuída e denunciam. Essas denúncias são repassadas à Polícia, que entra com pedido judicial e determina a Google que forneça as informações.

Qual é o outro modelo?
Um outro tipo de pornografia é a distribuída através de redes ponto-a-ponto, que são programas de compartilhamento de arquivos como Kazaa e Emule. Nesses casos, a PF desenvolveu uma ferramenta chamada “Espiamule”, que consegue identificar as pessoas que estão distribuindo esse material. Foram duas grandes operações de alcance mundial: as operações Carrossel 1 e Carrossel 2, com mais de 500 prisões ao redor do planeta. No Brasil, foram 200 mandatos de busca já cumpridos e algumas prisões; não foram mais porque na época da operação ainda não havia a Lei nº 11.829 (aprovada em 2008), que pune a posse e não somente a distribuição (de material pornográfico envolvendo criança e adolescente). Hoje, em razão da CPI da Pedofilia, a legislação brasileira é uma das melhores do mundo; pune a posse, a aquisição, a venda, a distribuição e o assédio. A pornografia é uma das principais áreas de preocupação da PF, além da fraude, pelo grande valor que transfere para a criminalidade - são somas altíssimas -, e também a venda de medicamentos na internet - as pessoas estão comprando produtos com mais bactérias do que princípio ativo, produto falsificado, contrabandeado, proibido no Brasil.

Ainda sobre a pedofilia, quem está por trás desse tipo de crime?
Todo tipo de gente, não tem um perfil especificado. Pessoas mais velhas, mais novas, homem, mulher... Onde você menos imagina se esconde o pedófilo. É onde ele tem acesso e consegue se aproximar de uma criança e, na oportunidade que tiver, vai violentar.

Dá para controlar a troca de informações sobre anabolizantes e remédios que podem levar à anorexia ou ao suicídio na internet?
Controlar é muito complicado, a internet não permite censura. É possível prevenir, com campanhas de conscientização e de educação, e reprimir, para demonstrar que a internet não é uma terra sem lei.

Sobre os crimes financeiros, os sistemas de segurança na internet são eficientes para evitá-los?
São seguros, investe-se muito em segurança, mas o criminoso muitas vezes consegue burlar. O importante é que há uma preocupação das casas bancárias em melhorar os seus sistemas. Não há sistema infalível. Todo sistema de segurança, mais cedo ou mais tarde, vai ter alguma falha.

A expansão de redes sociais como Orkut, Twitter e Facebook facilitou a prática desses crimes?
A internet é uma ferramenta de interação humana. Você encontra amigos que pensou nunca mais ver na vida. Na verdade, pessoas de má índole usam essa informação para prática de crimes e vão continuar usando. A tecnologia vai avançar, aproximar cada vez mais pessoas e aí temos que estar preparados para garantir a segurança. Falar que a tecnologia é culpada pela prática do crime, não é. O fato é que facilita, é um facilitador. Culpadas são as pessoas que usam essa tecnologia (para praticar crimes).

Até onde os administradores desses sites são responsáveis por crimes cometidos pelos usuários?
Eles têm de ajudar no combate. É dever de todos: da Polícia, do Estado e da sociedade. (Os donos dos sites) são responsáveis não pela conduta (dos usuários), mas pela prevenção e por auxiliar na repressão. Eles têm que repassar com rapidez as informações e têm que dar mais segurança. Não é “vigilantismo”, não é cerceamento de liberdade, pelo contrário, é uma conscientização de que a segurança é dever de todos, para garantir às pessoas que continuem usando (a internet) sem correr risco de ser lesadas nas formas patrimonial ou moral.

Além do combate à pedofilia, em geral, a legislação brasileira para internet é eficiente?
É falha. Falta disciplina, por exemplo, na questão do armazenamento de informações básicas para nossas investigações. Hoje, não há uma normatização se os registros de conexão com a internet devem ser armazenados ou não, quanto tempo devem ser armazenados... Na questão de fraudes, a legislação não precisa ser alterada, já temos o Código Penal. Falta, então, disciplinas de Direito Processual. Como é que a gente vai ter acesso rápido a essa informação? Hoje, está uma lacuna, não está disciplinado. Também falta uma legislação sobre crime cibernéticos puros, relativos à tecnologia propriamente dita: se a invasão de um site, a invasão de um computador, é proibida ou não. Será que as pessoas têm o direito de invadir o meu computador, olhar as minhas informações, inclusive as pessoais, e sair sem nenhum tipo de punição? Esse tipo de discussão a gente precisa ainda avançar.

Essa discussão deve abranger o uso dessas informações em investigações policiais?
Com certeza. Qualquer tipo de abuso tem de ser punido. Tanto que formaliza-se toda investigação. Tem controle externo do Ministério Público, da Polícia e do Judiciário. O abuso deve ser punido, você não pode censurar. Você tem que dar à autoridade policial o direito de conhecer, sendo necessário conhecer. Quanto mais informações relacionadas ao fato nós temos, mais é correta e profunda a nossa investigação. O que você tem que ter é uma forma de controle para evitar abusos e desvio de finalidade da informação. Se você depois apurar que essa informação foi solicitada para fins outros que não investigar o crime, você pune a autoridade que fez a requisição e pune de forma exemplar: demite-se, pune-se com prisão se for o caso.

De que forma a população pode ajudar no combate e na prevenção aos crimes cibernéticos?
Tem que denunciar. Qualquer tipo de crime que tenha conhecimento, denuncia. A denúncia é anônima, tem vários sites para fazê-la (ver abaixo). A forma de prevenir é navegar com segurança. Nunca é demais falar que a pessoa não deve acessar site nem abrir e-mail de quem não conhece; ou até conhece, mas fora do padrão.

ÍCARO JOATHAN
Repórter

Comentários

Daniel araneda disse…
Muito bem escrito. Queria que tivesse mais gente especializada nesse tema no Brasil. Padece que o brasil aida esta engatinhando em crimes digitais. Mais agente precisa se preparar agora porque a guerra do futuro vai ser a guerra com computadores , não armas.

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