Por Rafael Pinheiro
Princípio da oportunidade
É diferente do princípio da oportunidade do Direito processual penal constitucional – segundo o qual o membro do parquet tem a faculdade de promover ou não a ação penal levando em consideração o interesse público. O fulcro do princípio da oportunidade do Processo Penal está vinculado à idéia de que o Estado não deve cuidar de coisas banais e ou insignificantes, podendo deixar de promover o jus puniendi quando verificar que dele possam advir mais perdas do que vantagens. Esse princípio vigora em alguns países como: França, Alemanha, Noruega, entre outros.
No Brasil, o princípio da oportunidade só vale para as ações penais de natureza privada e nas ações penais públicas dependentes de representação.
Já na área de inteligência, o princípio da oportunidade está ligado às informações que são recebidas e não difundidas a tempo, logo perdendo a essência e a oportunidade de cirurgicamente e de véspera resolver ou amenizar os possíveis e futuros problemas.
É de tamanha importância esse princípio, que traz à baila outros, como o princípio da não hierarquia, utilizado na área de Inteligência, principalmente pelos analistas de informações.
No caso de se falar em aparelho policial, o analista é um servidor que é formado na área de análise de inteligência. Após o recebimento de um dado, informe, ou informação, antes mesmo do analista proceder ao julgamento da fonte, o julgamento do conteúdo e na determinação da credibilidade, deverá ele repassar a informação para os demais órgãos que tenham interesse plausível na informação, podendo ser por meio oficial ou até oficioso, para que o princípio da oportunidade continue imperando.
Princípio da não hierarquia
Este princípio é totalmente inverso ao princípio de Direito da hierarquia administrativa. Primeiramente, entende-se por hierarquia: ordenação progressiva de autoridade é necessária para fixar funções e responsabilidades, enquanto que a disciplina, entendida como obediência às funções que se deve desempenhar, é fundamental para o desenvolvimento regular das atividades. Em todas as instituições públicas, independentemente do grau de complexidade, existe uma ordenação hierárquica de funções e a necessidade de observância fiel das funções por cada servidor para concretização dos fins a que se destinam.
O princípio na não hierarquia na área de Inteligência é usado também basicamente pelos analistas de informações em vários momentos do dia-a-dia de um órgão de inteligência sério e produtivo, pois o analista, ao usar o princípio da oportunidade, não deve pedir autorização para o repasse da informação que ele vislumbre que seja essencial para outro órgão. Quando age assim não há de se falar de que ele tenha quebrado o elo de obediência hierárquica ao seu chefe, pois os fins nesse caso justificam os meios e a burocracia poderia, eventualmente, matar pessoas e gerar sérios problemas para coletividade.
Ressalte-se que somente na área de inteligência este princípio tem guarida e sua fundamentação para uma isenção de punição é que as informações são úteis a quem pode fazer algo com elas e que a coletividade, entenda-se segurança pública, é mais importante do que qualquer brio ferido. Desse modo, utilizando-se subsidiariamente a teoria da tipicidade conglobante[1] não haveria crime funcional ou falta administrativa. Podendo-se invocar contra o mau chefe até o estado de necessidade e mesmo a possibilidade de ocorrer um crime de omissão.
Tipicidade conglobante é um corretivo da tipicidade legal, uma vez que pretende excluir do âmbito da tipicidade certas condutas que, pela doutrina tradicional, são tratadas como excludentes da ilicitude. No caso de condutas em que a ordem normativa ordena ou fomenta, segundo o mestre Eugenio Raúl Zaffaroni, não se fala em exclusão da ilicitude, mas de ausência de tipicidade conglobante. Por uma questão lógica, o tipo não pode proibir o que o direito ordena ou fomenta.
Devemos diferenciar alguns tipos de tipicidade:
A tipicidade legal é a subsunção (adequação) da conduta ao tipo penal previsto em lei.
A tipicidade conglobante é a antinormatividade aliada à tipicidade material.
A tipicidade material significa que não basta que a conduta do agente se amolde ao tipo legal, é preciso que lesione ou coloque em risco bens jurídicos penalmente relevantes.
Princípio da busca sistemática
A busca sistemática é a busca contínua em bancos de dados, meios de comunicações, por informantes, de informações sobre pessoas, grupos, e/ou empresas. Por isso, o principal recurso solicitado pela busca sistemática[2] é seu próprio tempo (Clarke, 2001). A maioria dos analistas de informações contribui para tanto, utilizando-se mesmo do seu tempo livre, porque esta atividade é vista como parte do esforço para se manter atualizado em sua área de atuação[3]. A quantidade de tempo necessária depende do assunto, do número de estudos, dos métodos usados (que determinam, por exemplo, o esforço para obter informações não publicadas[4]), da experiência do analista e do tipo de apoio oferecido pelo órgão público ou empresa privada (inteligência competitiva). A carga de trabalho para a realização de uma análise é, portanto, muito variável[5]. No entanto, entender quais são as tarefas (pesquisas, buscas, recrutamento de informantes, etc.) e o tempo necessário para cada uma delas ajudará os analistas a fazerem esta estimativa.
Uma das formas utilizadas, pelos analistas e demais profissionais da área de Inteligência, para conseguir realizar uma boa busca sistemática é o agente de Inteligência ter uma ampla rede de contatos, com a troca de informações, incluindo-se nesse ponto o princípio da oportunidade e, até mesmo, o caso de vazamento de informações. Antes que outros tenham acesso pela mídia ao conhecimento vazado e desde que não seja necessário realizar uma operação de desinformação, o analista se utiliza de tal informação e repassa o conhecimento para outros órgãos.
Assim será lembrado pelos outros órgãos como difusor, o que em outras situações poderá ser interessante lembrar para troca de conhecimentos.
Princípio da compartimentação
É um dos mais importantes princípios empregados na atividade de Inteligência em geral e na policial. Na policial mesmo, o inquérito sendo sigiloso[6] de acordo com o estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, o advogado tem direito de ler suas peças. Sendo a única exceção no caso de contraditório diferido, onde se tem uma decisão judicial em fase de inquérito policial que manda realizar tal medida preventiva e em segredo de justiça e, por conseguinte, o advogado só terá acesso às peças nos autos do processo após a aceitação pelo magistrado do oferecimento da denúncia pelo membro ministerial.
Sobre sigilo devemos tecer alguns comentários. É gênero tendo vários graus na esfera da União: reservado, confidencial, secreto e ultra-secreto (este último reservado as autoridades enumeradas no Art. 6º do Dec. Federal nº. 4.553, de 27 de dezembro de 2002). De acordo com Art. 5º do Decreto Federal nº. 4.553, de 27 de dezembro de 2002, in verbis:
Art. 5º Os dados ou informações sigilosos serão classificados em ultra-secretos, secretos, confidenciais e reservados, em razão do seu teor ou dos seus elementos intrínsecos.
§ 1º São passíveis de classificação como ultra-secretos, dentre outros, dados ou informações referentes à soberania e à integridade territorial nacionais, a planos e operações militares, às relações internacionais do País, a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico de interesse da defesa nacional e a programas econômicos, cujo conhecimento não-autorizado possa acarretar dano excepcionalmente grave à segurança da sociedade e do Estado.
§ 2º São passíveis de classificação como secretos, dentre outros, dados ou informações referentes a sistemas, instalações, programas, projetos, planos ou operações de interesse da defesa nacional, a assuntos diplomáticos e de Inteligência e a planos ou detalhes, programas ou instalações estratégicos, cujo conhecimento não-autorizado possa acarretar dano grave à segurança da sociedade e do Estado.
§ 3º São passíveis de classificação como confidenciais dados ou informações que, no interesse do Poder Executivo e das partes, devam ser de conhecimento restrito e cuja revelação não-autorizada possa frustrar seus objetivos ou acarretar dano à segurança da sociedade e do Estado.
§ 4º São passíveis de classificação como reservados dados ou informações cuja revelação não-autorizada possa comprometer planos, operações ou objetivos neles previstos ou referidos.
Levando-se em conta o princípio federativo constitucional, a classificação adotada pela União não cria uma taxatividade em relação às espécies de sigilo sobre outros entes federados, podendo os Estados membros e Distrito Federal, estabelecerem suas próprias classificações.
Na atividade de Inteligência, não há inquérito e o que se busca é a verdade dos fatos, sendo que, após a realização de operações e elaboração do Relatório de Inteligência (Relint), o mesmo deve ser difundido para a parte do órgão a que interessa tomar conhecimento e agir assim que necessário.
Na inteligência pura as fotos produzidas na rua, entrevistas, pesquisa de dados cadastrais, filmagens públicas, gravações ambientais do local monitorado com anuência do proprietário ou responsável pelo estabelecimento, nada mais vão ser do que indícios para o futuro indiciamento ou até denunciação direta pelo parquet.
É lógico que devemos fazer uma ressalva em caso de decisão judicial em inquérito; como, por exemplo, na interceptação telefônica, se for preciso ajuda da seção ou órgão de Inteligência, os agentes que tiverem acesso deverão manter a compartimentação, porque além de ser reforçada por uma ordem judicial, há sanções (administrativas e criminais) para a quebra de sigilo tanto nas operações de Inteligência, como para quebra de sigilo judicial.
Se utilizarmos das espécies de graus de sigilo adotadas pela União, devemos considerar o Inquérito policial de grau reservado, pois seus autos são reservados a somente alguns servidores públicos e, em alguns casos, ao advogado do indiciado conforme o caso, podendo ainda ser requisitado pelo membro do MP responsável pela área e pelo Juiz competente. No caso do contraditório diferido, seria também reservado, entretanto, em sede policial e apenas aos servidores policiais que efetivamente trabalhem no procedimento, aos da Justiça e ao membro do MP responsável (vara ou seção criminal de destino) e ao juiz competente.
Na quebra de sigilo, se for por servidor policial da União, poderá ser punido criminalmente e administrativamente. Se for servidor estadual ou distrital, será dependendo da legislação do ente federado, somente punido criminalmente pela parte de violação de sigilo funcional. Se também quebrou sigilo de Inteligência, será punido administrativamente dependendo da legislação local aplicável. Na União existe tanto a proteção ao crime de violação de sigilo funcional como sanção administrativa, punível com demissão. Encontra-se tipificada a conduta de violação de sigilo funcional no art. 325 do Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei nº. 2848 de 7 de dezembro de 1940.).
Já a sanção administrativa, encontra respaldo legal no art. 132, inciso IX da Lei nº. 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que é o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. in verbis:
Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:
IX - revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo;
No caso específico dos policiais federais e civis do Distrito Federal, que são regidos pela Lei nº. 4.878, de 3 de dezembro de 1965, que dispõe sobre o regime jurídico peculiar aos funcionários policiais civis da União e do Distrito Federal, consta ainda no seu art. 43, inciso XLIII, como infração disciplinar a divulgação do conteúdo de documento, in verbis:
Art. 43. São transgressões disciplinares:
XLIII - publicar, sem ordem expressa da autoridade competente, documentos oficiais, embora não reservados, ou ensejar a divulgação do seu conteúdo, no todo ou em parte;
A Lei nº. 4.878, de 3 de dezembro de 1965, em seu art. 48 também prevê que a sanção administrativa para divulgação de conteúdo de documento oficial será a de demissão.
No que diz respeito à divulgação de sigilo no âmbito da inteligência federal, se vê necessário a assinatura de termo de compromisso de manutenção de sigilo para punir administrativamente o servidor por quebra de sigilo, mesmo após o desligamento. Artigos 62 e 63 do Decreto Federal nº. 4.553, de 27 de dezembro de 2002, que dispõem sobre a salvaguarda de dados, informações, documentos e materiais sigilosos de interesse da segurança da sociedade e do Estado, no âmbito da Administração Pública Federal, e dá outras providências.
Como regra toda e qualquer pessoa que tome conhecimento de documento sigiloso, mesmo sem ter se comprometido com o termo de manutenção de sigilo, deve manter a informação em segredo. Vemos, entretanto, que um órgão de Inteligência deve ter legalmente instituída a figura do termo de manutenção de sigilo, da classificação dos documentos sigilosos e, conseqüente, criação de credenciais de segurança. Caso o estado membro ou o Distrito Federal, ao criarem seus órgãos de Inteligência, não disponibilizem em lei tais artifícios, o servidor poderá ser punido só criminalmente. De modo que não haverá infração administrativa de quebra de sigilo, mesmo após seu desligamento.
Podemos defender que no caso de acordo de cooperação entre entes federados e governo federal, como forças tarefas e, até mesmo, no caso do ingresso no Sisbin, o governo federal tem legitimidade para impor assinatura do termo[7] antes que os servidores dos outros entes federados tenham acesso aos bancos de dados e informações sigilosas. Como no caso do servidor tomar conhecimento de documento sigiloso, em que fica responsável pela preservação do seu sigilo, conforme o Art. 65 do Decreto Federal nº. 4.553, de 27 de dezembro de 2002, in verbis:
Art. 65. Toda e qualquer pessoa que tome conhecimento de documento sigiloso, nos termos deste Decreto fica, automaticamente, responsável pela preservação do seu sigilo.
Sobre a classificação dos documentos de inteligência se deve ter como regra tentar ser o menos restritivo possível, em razão da credencial de segurança, e da dificuldade que causará ao serviço público o trâmite de tal documento de inteligência. Lembrando que o chefe do órgão ou o usuário final poderão reclassificar o documento. Conforme recomendação expressa no texto do Art. 66 do Decreto Federal nº. 4.553, de 27 de dezembro de 2002, in verbis:
Art. 66. Na classificação dos documentos será utilizado, sempre que possível, o critério menos restritivo possível.
Lógico que tais penas serão precedidas do princípio de contraditório, e terão um processo regular, além de todos os recursos cabíveis na legislação, para se garantir uma efetiva justiça. Devemos lembrar que o princípio da oportunidade, quando usado corretamente pelo analista de informações, não gera nenhuma sanção, seja ela de natureza criminal ou administrativa. Tal posicionamento já foi explicado quando tratamos do princípio em espécie.
Fazemos um alerta para a compartimentação excessiva, que ao invés de melhorar o trabalho só o torna pior. Citamos como exemplo o caso de haver especialistas sobre uma determinada área da inteligência em um órgão, que o mesmo deve ser consultado ou até colocado como analista responsável, pelos princípios da celeridade e eficiência. Decisão que deve caber ao chefe de seção ou do diretor. Além do que em casos de repercussão e importância elevados o analista deve operar em conjunto com a seção de operações o que facilita e muito as dúvidas surgidas durante a operação desencadeada.
[1] Eugenio Raúl Zaffaroni constrói a teoria da tipicidade conglobante.
[2] Na matéria de Metodologia da Pesquisa, princípio similar tem o nome de Revisão Sistemática.
[3] Normalmente em uma seção de análise de inteligência, os analistas são divididos em áreas de atuação, visando à própria busca sistemática de cada analista sobre determinado fato.
[4] Dados negados.
[5] No caso de uma estimativa de Inteligência, um grupo de analistas para realizar um trabalho prospectivo numa faixa de tempo de um ano pode levar até seis meses para fechar a análise.
[6] Caso o juiz não aceite não aceite as razões do pedido de arquivamento do inquérito é usado o art. 28 do CPP, e quem decide é o Procurador Geral do MP.
[7] Sendo o termo requisito formal para o servidor iniciar a laborar.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 30 de junho de 2009
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