Herbert Gonçalves Espuny · São Paulo (SP) · 16/6/2009 15:02
O presente artigo aborda pontos de reflexão a respeito da implantação e desenvolvimento de unidades de Inteligência Policial de base. Toma por exemplo, os CIPS – Centros de Inteligência Policial, das Delegacias Seccionais de São Paulo. A Polícia Civil de São Paulo talvez seja a instituição mais organizada no sentido de propiciar uma estrutura para a atividade de inteligência policial. Estrutura esta institucionalizada, devidamente identificada, amparada por legislação e em sintonia com outros órgãos de Inteligência.
A linguagem utilizada não está formatada para a comunidade de Inteligência, cujos conceitos de dados, informação e produção de conhecimentos têm sentido estrito. O objetivo maior é sensibilizar pessoas fora do meio da Inteligência.
1. Bases da atividade de Inteligência Policial nos CIPs.
A inteligência policial praticada nos Centros de Inteligência Policial é bastante específica. De forma geral, a inteligência policial difere da atividade de inteligência de Estado (como a praticada pela ABIN, por exemplo) porque a primeira está voltada à busca de criminosos e seus métodos enquanto a segunda é uma forma de assessoria dos chefes de estado. Conforme define Menezes e Gomes (2006), a “Inteligência Policial é voltada para a produção de conhecimentos a serem utilizados em ações e estratégias de polícia judiciária (...).”. A finalidade, portanto, está no combate ao criminoso e a seus métodos.
Um instrumento bastante importante foi o Infocrim. Criado no final dos anos 90, pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. Este sistema permite reunir todas as informações produzidas pelos boletins de ocorrência das delegacias de São Paulo. Permite identificar o número exato de determinado tipo de delito em cada área circunscricional e permite, ainda, o cruzamento de dados importantes como dias e horários das ocorrências. O Infocrim foi incorporado às atividades de apoio de inteligência policial pois permitia traçar um panorama das principais áreas de incidência criminal de cada distrito policial.
Além dos pontos citados, a constituição legal dos CIPs está consignada no decreto estadual nº 47166, de 02/10/2002 e suas atribuições são:
a) colher informações sobre as ocorrências policiais;
b) elaborar gráficos estatísticos destinados a identificar as áreas de maior incidência de fatos delituosos;
c) elaborar relatórios para subsidiar planos de Polícia Judiciária e preventiva especializada, destinados a neutralizar os pontos críticos detectados;
d) organizar e manter arquivo e banco de dados referentes a assuntos de interesse na prevenção e repressão aos delitos em sua respectiva circunscrição;
e) produzir documentos de inteligência policial de acordo com a Doutrina da Policia Civil.
2. Atividades de Inteligência Policial nos CIPs.
Colher informações sobre ocorrências policiais: Os CIPs desenvolvem um trabalho detalhado a respeito de informações obtidas nos boletins de ocorrências registrados nos distritos policiais. Com a ajuda do Infocrim é possível obter uma visão bastante detalhada sobre determinados tipos de crime. Nesta visão estão consignadas as informações sobre os logradouros, horários de maior incidência e dias da semana. Outras informações obtidas diretamente nos boletins de ocorrência permitem traçar um perfil do criminoso baseado nas características físicas aproximadas, modus operandi, tipo de arma utilizada e área geográfica de atuação. Uma investigadora de polícia de um dos CIPs, que se especializou no combate aos crimes de estupro e atentado violento ao pudor procura nos boletins de ocorrência detalhes como altura, cor da pele, sinais específicos e outros que as vítimas possam fornecer. Apesar da situação traumática, esta investigadora procura relembrar com a vítima aqueles possíveis detalhes que podem ser extremamente importantes para a prisão do criminoso. Após reunir o máximo de pontos de cada ocorrência, analisa o conjunto das ocorrências dentro de um determinado período para verificar os pontos concordantes. Este trabalho minucioso permitiu prender criminosos contumazes de determinadas regiões e até identificar criminosos que já se encontravam presos por outros crimes, mas que não tinham sido identificados, ainda, como estupradores.
A metodologia acima aplica-se, também, aos outros crimes. Um trabalho desenvolvido pelo 2º CIP permitiu prender ladrões de notebooks. O 2º CIP, da 2ª Seccional, está localizado numa circunscrição que abrange áreas nobres da cidade de São Paulo, como o bairro do Brooklin, por exemplo. Numa determinada época houve um aumento grande de ocorrências de roubos de notebooks, principalmente a transeuntes, pois é comum o trânsito – na região – de executivos, empresários e estudantes munidos de pastas identificadoras do porte de notebooks. Um trabalho de análise das ocorrências permitiu identificar as áreas e horários de maior incidência deste delito. Investigadores em viaturas descaracterizadas (sem quaisquer indicações da Polícia Civil) em rondas nos locais indicados pelas pesquisas, conseguiram efetuar uma série de detenções para averiguação de pessoas suspeitas. Outro ponto que foi possível analisar – através da pesquisa em jornais e revistas – os locais de compra e venda destes equipamentos, locais estes de possível receptação de produtos roubados.
Elaborar gráficos estatísticos destinados a identificar as áreas de maior incidência de fatos delituosos: Determinados logradouros apresentam uma maior incidência de crimes. Isto ocorre por uma série de razões. Locais em bairros de alto poder aquisitivo, com grande fluxo de pessoas, são os preferidos pelos criminosos. Determinadas horas do dia podem também apresentar maior incidência de um tipo ou outro de criminalidade. Os CIPs procuram identificar tais tendências através do uso da estatística. O cruzamento de dados permite identificar, também, os dias da semana nos quais os criminosos mais agem.
Elaborar relatórios para subsidiar planos de Polícia Judiciária e preventiva especializada, destinados a neutralizar os pontos críticos detectados: Os relatórios com os dados obtidos nos boletins de ocorrência são importantes no sentido de orientar operações específicas. Os planos de Polícia Judiciária são os destinados a diminuir os índices de incidência criminal em cada uma das áreas circunscricionais dos distritos. O policiamento preventivo especializado é uma prática da polícia civil na qual policiais não caracterizados (sem viatura caracterizada e sem qualquer identificador de policial visível) realizam rondas com a finalidade de prender criminosos. É uma prática que concede o fator surpresa à atividade pessoal. Os relatórios fornecem detalhes das áreas de incidência, especificamente os logradouros e sua respectiva porcentagem no universo total das ocorrências. As rondas podem ser planejadas em detalhes.
Organizar e manter arquivo e banco de dados referentes a assuntos de interesse na prevenção e repressão aos delitos em sua respectiva circunscrição: Neste item a atividade pode variar de CIP para CIP. Alguns CIPs mantém álbuns fotográficos próprios de criminosos que podem ser consultados pelas unidades policiais subordinadas e até por outros CIPs ou, ainda, por outras unidades policiais. Levantamentos fotográficos ou mesmo filmagens em determinadas regiões visando buscar documentação de certa atividade criminosa na área podem ser arquivados e utilizados em operações específicas. Num CIP, por exemplo, havia muitas denúncias a respeito de uma rua que, nos finais de semana, era tomada por jovens que, praticamente, fechavam a rua para o trânsito, ligavam seus aparelhos de som (dos carros) e dançavam e bebiam até altas horas. Os policiais foram até o local em carros descaracterizados, filmaram veladamente todo o movimento, levaram o material para a sede do CIP e em duas horas planejaram, junto com o Setor Operacional da Seccional, a operação adequado de restabelecimento da ordem pública.
Produzir documentos de inteligência policial, de acordo com a Doutrina da Polícia Civil: A missão da Polícia Civil é a repressão ao crime. É a investigação com a finalidade de identificar o criminoso e todas as circunstâncias oriundas de um crime. A produção de documentos na área de inteligência da Polícia Civil tem o objetivo de facilitar a descoberta de criminosos, padrões de criminalidade determinados por áreas geográficas, horários de incidência e outras variáveis. Além disso, a troca contínua de informações com outras unidades de inteligência do estado de São Paulo, de outras unidades da federação ou, até mesmo, de outras instâncias, como a polícia federal, por exemplo.
A atividade de inteligência policial é recente na cultura policial. Ela é desenvolvida com base no esforço pessoal dos policiais envolvidos. Os policiais não podem contar com a experiência própria ou de outros policiais, que acaba por se tornar referência em determinada situação, muito comum em outras áreas policiais. Além disso, a atividade de inteligência tem bases diferentes do trabalho de investigação comum.
Na investigação policial, o agente se apresenta – salvo exceções – como agente do Estado. Possui viatura caracterizada, distintivo e arma. Ao se apresentar como policial, coloca uma série de facilidades à disposição, como uma cooperação natural de determinados setores da sociedade. Ao parar com a viatura num prédio público ou privado, não encontra dificuldades para entrar. Ao solicitar que qualquer pessoa se identifique, não encontra resistência sistemática. Ao interrogar testemunhas pode não obter a total colaboração, mas certamente terá um mínimo de atenção. Já a atividade de inteligência pressupõe um total anonimato. O agente não pode se identificar e, ao invés do distintivo, terá de obter a informação de modo mais criativo.
Um delegado da área de inteligência comentou que o trabalho exige flexibilidade e persistência. O agente deve sair da “proteção” natural que o distintivo oferece para se preocupar com dinâmicas baseadas na criatividade. Para um policial que trabalha na polícia territorial (delegacias e seccionais de polícia) não é uma tarefa fácil. Algumas delegacias especializadas, como a de entorpecentes – por exemplo – já é normal o policial trabalhar “disfarçado” e até infiltrado para levantar informações com o objetivo de orientar operações contra o crime organizado. Contudo, nestas unidades especializadas o trabalho é facilitado porque não há circunscrições físicas que limitam a área de atuação. O DENARC (departamento da polícia paulista especializado no combate ao tráfico de entorpecentes), por exemplo, tem atuação em todo o estado de São Paulo. Os agentes podem variar bastante de área e não precisam estar somente numa área específica, como ocorre na polícia territorial. Além disso, os departamentos especializados contam com recursos maiores, tais como mais veículos descaracterizados (sem identificação policial), flexibilidade de horários, verba própria para determinadas operações, etc. Já o policial de unidades territoriais, mesmo contando com uma viatura descaracterizada, por exemplo, está decididamente comprometido com sua área: depois de um certo tempo, é difícil esconder que aquele determinado veículo (descaracterizado) pertence à delegacia do bairro. Esta é uma reflexão que pode e deve ser feita por qualquer polícia judiciária interessada na implantação de unidades de inteligência em bases territoriais.
3. Proposta de melhoria para a realidade estudada.
A atividade de inteligência policial pode ser estimulada com a criação de cursos específicos nesta área na Academia de Polícia. O policial precisa acostumar-se com as operações de inteligência que possuem características próprias. Até mesmo os documentos de inteligência são diferentes daqueles que os policiais estão acostumados a produzir, de modo que a implementação de cursos em vários níveis (introdução, básico, intermediário e avançado) ajudariam a criar uma certa especialização na área.
Além disso, a atividade de inteligência policial numa unidade territorial, como é uma delegacia seccional, deve priorizar as atividades de análise dos boletins de ocorrência e a aplicação, cada vez mais refinada estatística. Isto, de certa forma, já é feito. Contudo, para que haja uma efetiva melhoria no processo de desenvolvimento da atividade, é necessário que este trabalho seja cada vez mais bem feito. Algumas providências, como bolsas de estudo para cursos de gestão da informação e estatística, poderiam motivar policiais da área cada vez mais.
A delegacia seccional, sendo a menor unidade hierárquica a produzir atividade de inteligência, precisa ter gente especializada e motivada, pois é essa gente que vai – efetivamente – alimentar instâncias superiores da inteligência policial. E esta preocupação vai além: se os boletins de ocorrência são os materiais básicos de análise, pois deles derivam informações importantíssimas, tais como, descrição dos meliantes, modus operandi, veículos envolvidos, etc., toda a estrutura de base da polícia territorial precisa ser estimulada a fazer um bom trabalho. O escrivão desmotivado que recebe uma vítima às três horas da manhã para confeccionar um boletim de ocorrência precisa estar consciente de que sua atividade não está restrita a fazer um documento oficial que facilite trâmites para a vítima... seu trabalho pode significar uma enorme diferença na investigação e planejamento do combate à criminalidade. Portanto, o empenho destes profissionais para a inteligência policial é fundamental. A vítima quer livrar-se logo do ambiente da delegacia, principalmente depois de uma ocorrência estressante. Mas, é importante que quem a atenda busque detalhes e a oriente a tentar lembrar-se de todos os detalhes possíveis.
Além destas providências, outras também importantes – mas nem sempre fáceis de implementar – têm de ser pensadas. Uma delas é a que se refere às sub-notificações de ocorrências e as notificações fraudulentas. As primeiras estão ligadas, de certa forma, a um certo empirismo da vítima: quando se trata de pequenos furtos ou roubos, as vítimas nem sempre recorrem às notificações oficiais (ou seja, os boletins de ocorrência). Quando a perda é pequena, como baixas somas de dinheiro ou pequenos objetos de pouco valor, a vítima se abstém de maiores problemas não indo sequer na delegacia. Já as notificações fraudulentas estão ligadas a uma modalidade de crime, que é a falsa comunicação. A vítima, neste caso, comunica um crime falso, tal como notificar um roubo que não existiu. Este procedimento pode ser verificado no caso de celulares, por exemplo, que possuem seguro contra roubo. A suposta vítima perdeu ou quebrou o celular e com o objetivo de obter vantagem ilícita (fraude contra o seguro) comunica falsamente, na delegacia, que foi roubado.
4. Resultados esperados.
O treinamento específico de policiais na inteligência policial ajudaria a criar uma cultura específica nesta área, o que certamente, em poucos anos, representaria um importante diferencial no combate à criminalidade. Isto se viesse acompanhado de estímulos apropriados – como bolsas de estudo, por exemplo – propiciaria desenvolver o que a sociedade tem buscado nos últimos anos: um novo policial, identificado com procedimentos tecnológicos e com capacidade de travar batalhas na área da inteligência, na qual a criminalidade cada vez mais tem se organizado.
Além disso, o treinamento do pessoal do plantão policial também não apresenta maiores dificuldades, pois a polícia pode desenvolver cursos e treinamentos específicos para tais finalidades.
Já a conscientização para as sub-notificações e as notificações fraudulentas demandaria um tempo maior, pois são mudanças de comportamento arraigado. Necessitariam de campanhas institucionais constantes.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
A polícia paulista com o objetivo de fazer frente aos mais diversos desafios que a criminalidade impõe, estabelece uma série de objetivos que visam sua constante especialização. Um destes objetivos está ligado ao desenvolvimento da atividade de inteligência policial, que é parte importante da estrutura policial moderna.
A polícia de São Paulo, em 2002, pelo decreto 47.166, através da criação do DIPOL (Departamento de Inteligência) institucionalizou a atividade de inteligência policial nos mais diversos níveis. O nível hierárquico mais baixo é o encontrado nos CIPs (Centros de Inteligência Policial) das delegacias seccionais de polícia, que são responsáveis por um certo número de distritos policiais.
A atividade de inteligência esperada destas unidades está, principalmente, na coleta e processamento básico dos dados oriundos dos Boletins de Ocorrência confeccionados nos distritos policiais. Os policiais contam com um auxílio precioso para este intento que é um sistema que reúne vários destes dados, chamado INFOCRIM. Através deste é possível consolidar diversas informações, tais como dias e horários de maior incidência de praticamente todos os crimes. É possível, também, obter informações, tais como, características físicas dos criminosos, tipo de armamento utilizado, dentre outros. Ainda, pelo trabalho de pesquisa pessoal de policiais é possível traçar o modus operandi do criminoso e, através dele, deduzir a autoria pela similitude no modo de ação.
O calcanhar-de-aquiles desta atividade está na coleta das informações. A polícia judiciária obtém estas informações, principalmente, quando a vítima comparece a um distrito policial para confeccionar o boletim de ocorrência. Boletins de ocorrência com erros de informação são os maiores inimigos da atividade de inteligência desenvolvida nos CIPs.
(*) Parte da monografia de mesmo nome, apresentada na Universidade Sul de Santa Catarina – UNISUL, no ano de 2008, como requisito parcial para a obtenção do título de Tecnólogo em Gestão de Segurança Pública.
REFERÊNCIAS/BIBLIOGRAFIA
AGÊNCIA BRASILEIRA DE INTELIGÊNCIA. Missão.
Em: http://www.abin.gov.br/modules/mastop_publish/?tac=Institucional#missao
Consultado em 22/11/2007
LENTO, Luiz Otávio Botelho; SCHAUFFER, Fred Harry. Atividades de Inteligência. Palhoça: UnisulVirtual, 2008.
MANUAL OPERACIONAL DO POLICIAL CIVIL. Polícia Civil de São Paulo. São Paulo:Delegacia Geral de Polícia, 2002.
MENEZES, Rômulo Fisch de Berrêdo; GOMES, Rodrigo Carneiro. Integração dos sistemas de inteligência. Por uma mudança de paradigmas e mitigação da síndrome do secretismo. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1116, 22 jul. 2006. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8683. Acesso em: 09 mar. 2008.
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