Militantes e historiadores alertam para falta de clareza da proposta que está em conclusão na Casa Civil
Fonte: O Estadão, por Wilson Tosta
Mesmo ressalvando ainda não conhecer oficialmente o texto, esses militantes se mostram preocupados com o que consideram falta de clareza sobre regras e meios para acesso a informações públicas e com possíveis restrições à consulta a documentos históricos. No Brasil, há arquivos diplomáticos do século 19 ainda vedados a consulta, assim como papéis da ditadura pós-64. Para os críticos, pelo divulgado até agora a proposta não garante avanços em relação à situação atual.
"Não adianta só uma lei. É preciso uma cultura de transparência na relação do Estado com a sociedade. Pleiteamos que toda repartição pública tenha um guichê ao qual os cidadãos possam se dirigir para requerer as informações", diz Fernando Paulino, um dos coordenadores do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas. Professor universitário, ele diz que a entidade não quer que o acesso facilitado seja privilégio dos jornalistas e destaca que os dados presentes do Estado são tão importantes quanto os do passado, de interesse histórico. "Não queremos que os arquivos da ditadura sejam a única pauta nesse debate."
Reportagem do Estado antecipou em novembro de 2008 pontos do projeto da Lei de Acesso à Informação. A proposta retira a reserva ou sigilo de quase todos os dados das três esferas de governo, dá prazos para seu fornecimento e cria punições para funcionários que a descumprirem. Os níveis de classificação passam a ser três: reservado (cinco a oito anos de sigilo), secreto (15 anos) e ultrassecreto (25 anos). Haverá possibilidade de renovação do embargo, o que gera críticas pela hipótese de "sigilo eterno". Encerrado o período de segredo, a liberação seria automática. A proposição indica os funcionários que podem classificar uma informação - atualmente, qualquer servidor pode fazê-lo. A decisão será sempre reavaliada por um comitê interministerial.
"Acesso a informação não é lei de arquivos, é muito mais. A Lei de Acesso deveria ter instrumentos que obrigassem os órgãos públicos a coletar e publicar as informações. Não ter isso é não ter uma lei de acesso", diz Cláudio Abramo, diretor executivo da ONG Transparência Brasil.
O Estado procurou insistentemente a Casa Civil e pediu cópia do projeto e contato com funcionários envolvidos na preparação do projeto da Lei de Acesso à Informação. A assessoria de imprensa do ministério, chefiado pela ministra Dilma Rousseff, afirmou não ser possível atender ao pedido porque o texto ainda estaria em discussão.
HISTÓRIA
O acesso aos arquivos oficiais é objeto de disputa política há anos no País. No centro da briga, estão informações sobre a atuação das Forças Armadas durante a ditadura. Grupos de defesa de direitos humanos querem sua abertura, sobretudo para esclarecimento das responsabilidades por mortes, desaparecimentos e torturas contra oposicionistas no período. Mas também há fortes resistências no Ministério das Relações Exteriores, onde se temem reações de países vizinhos a supostas revelações sobre as guerras e disputas fronteiriças que o Brasil protagonizou há mais de cem anos, essenciais para a definição dos limites territoriais brasileiros. Mesmo documentos da Guerra do Paraguai, encerrada em 1870, têm acesso vetado.
A diretora do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Jessie Jane Vieira de Souza, classifica de "casuísmos" alguns dos mecanismos esboçados na lei em discussão. Um é a possibilidade de renovação indefinida do sigilo, que colocaria os cidadãos à mercê da compreensão de autoridades futuras sobre conjunturas passadas, diz. Outro, para ela, é criação de uma comissão interministerial para examinar a classificação de documentos, além dos funcionários designados.
"Você pode imaginar, num país como o nosso, montando-se uma comissão interministerial para desclassificar documentos?", questiona. "Para isso, tem o Arquivo Nacional com seus técnicos que são agentes do Estado. Parece que esse expediente montado pelo governo só protela."
Outro historiador, Marco Morel, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), afirma que as tentativas do governo Lula de resolver a questão têm sido "bastante ambíguas". "Por um lado, os próprios integrantes do governo, por sua trajetória pessoal, têm um compromisso com a abertura desses arquivos", pondera. "Por outro, a gente tem visto que o próprio governo Lula tem evitado contrariar diretamente, sobretudo, os grupos oriundos da ditadura civil-militar, que pretendem manter o sigilo desses documentos em defesa própria. Na verdade, considero um precedente perigoso e inaceitável que se queira proteger torturadores."
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